NOSSA HISTÓRIA

1 – A ocupação do “oeste”

Para se entender o interesse dos metodistas pela região de Ribeirão Preto, no final do século XIX, torna-se necessário compreender os significados da palavra “oeste”, notadamente o uso que dela faziam os empresários da cafeicultura e os clérigos norte-americanos que lideravam a missão metodista no Brasil. Sabemos que Ribeirão Preto não está localizado no oeste e sim ao nordeste do Estado de São Paulo. Por quê, então, os cafeicultores usavam essa expressão, bem como os membros da nona Conferência Anual do metodismo no Brasil, realizada em junho de 1895, na Igreja do Catete, no Rio de Janeiro? Para encontrar resposta a essa indagação temos que levar em consideração a representação do antagonismo leste/oeste, gerado na própria ocupação do oeste norte-americano, ocorrido entre o final do século XVIII e início do século XIX, onde o leste era concebido como adiantado e civilizado e o oeste atrasado e inculto. Os cafeicultores que ocuparam a região de Ribeirão Preto, derrubando matas, construindo modernas colônias e estradas de ferro, estavam convictos de que estavam a serviço da modernidade, de que eram portadores da civilidade, tal qual a saga dos ocupantes do “velho oeste”. Eles vinham de São Paulo, Rio de Janeiro, do sul de Minas Gerais, ávidos de constituírem riquezas. Para tanto deveriam ajustar o elemento indígena e os descendentes dos rudes bandeirantes, geralmente criadores de animais. O leste, assim, civilizaria e modernizaria o oeste. Ao decidirem enviar um pastor para organizar igrejas nessa parte do interior paulista, os membros da Conferência Anual estavam impregnados da idéia da força da “civilidade” agindo sobre o “atraso”. Devemos lembrar o metodismo norte-americano alcançou grande êxito ao acompanhar as caravanas que alargavam as fronteiras do oeste dos Estados Unidos, isso deveria irrigar o imaginário dos pastores reunidos na Igreja do Catete. Devemos lembrar, ainda, que o protestantismo brasileiro vivia uma franca disputa com o catolicismo. Para os protestantes o catolicismo representava o atraso, ele seria o culpado pela “ignorância” da maioria das populações distantes dos grandes centros urbanos.

2 – Os primeiros passos para a organização do metodismo em Ribeirão Preto

A tarefa de organizar o metodismo na região de Ribeirão Preto coube ao pastor Manoel de Arruda Camargo, ex-aluno do Colégio Piracicabano, membro da comissão encarregada de fazer revisões no Hinário Evangélico, em 1895 e posteriormente redator do “Expositor Cristão”. No dia 7 de julho de 1895, instalou a Igreja Metodista em Serra Azul, com 23 pessoas. Em outubro de 1895, inaugurou um salão para cultos em Ribeirão Preto. Em 08 de março de 1896, fundou a Igreja Metodista Central de Ribeirão Preto, com 25 membros (19 por profissão de fé, dois por carta e quatro por transferência de outras igrejas protestantes, que residiam na cidade, mas sem a presença de suas respectivas igrejas. A Igreja Metodista foi a primeira igreja protestante a se instalar em Ribeirão Preto.

3 – As práticas de conversão, de ensino e de conformação

A organização do metodismo em Ribeirão Preto ocorreu na esteira de três práticas intercambiadas: as práticas de conversão, as de ensino e as de conformação. A primeira se refere à conquista de membros, a segunda aos propósitos educacionais e a terceira à formação da identidade do grupo formado. Entre as práticas de conversão, as mais constantes foram: a organização de escolas dominicais, no centro da cidade e nos bairros, os cultos na esfera doméstica, as visitas pastorais aos membros e simpatizantes, as ações dos grupos societários e a venda de Bíblias e Hinários Evangélicos. Na Ata da Conferência Trimestral, de 18 de junho de 1909, rastreadas nos arquivos da IMCERP, registrou-se que duas escolas dominicais tinham sido abertas, “uma no Barracão e outra na Vila Tibério, ficando aquela sob a direção do Sr. Antônio Grellet e essa sob a direção de D. Carolina Rodrigues”. O Barracão era um bairro onde residiam os trabalhadores braçais das lavouras cafeeiras, na maioria imigrantes e a Vila Tibério, um bairro de operários. Quanto à ação dos grupos societários, para fazer apenas uma referência, na Ata da Conferência Trimestral de 10 de outubro de 1909, destacou-se o trabalho desenvolvido pelos jovens. A então Liga Epwort estava fazendo um trabalho relevante. Contando com 51 membros, promoviam cultos em casas particulares e aos domingos um estudo bíblico ao qual “assistem muitas pessoas estranhas a ela”. O Hinário Evangélico, assim como a divulgação da Bíblia, tinha papel fundamental na conquista de fiéis. A musicalidade protestante foi ressaltada por uma missionária do Colégio Metodista. Em março de 1904 Ada May Stewart afirmou que a “primeira coisa que uma garota aprende quando vem para nossa escola é cantar hinos, com as alunas mais velhas como professoras. Elas se juntam no jardim ou dormitório, e eu temo que os nossos vizinhos gostariam que elas fossem para outro lugar”. Como práticas de ensino podemos destacar a fundação do Colégio Metodista, ocorrida em 5 de setembro de 1899, apenas três anos após a organização da Igreja. Não devemos esquecer que as escolas dominicais também eram espaços de ensino. Nelas, os professores não apenas formavam novos membros da Igreja, mas instruíam na leitura, na matemática e nas noções gerais de civismo. Faz parte, ainda, desse conjunto, a distribuição da literatura protestante, tais como revistas, folhetos e jornais. Toda a oportunidade de entrega de material era aproveitada para o ensino. Além do “Expositor Cristão”, os metodistas de Ribeirão Preto organizaram, na década de 1920, o seu próprio jornal, denominado de “O Mensageiro”. As práticas de conformação ocorriam em duas esferas: na formação de um conjunto de membros identificado com as regras de fé e costumes do metodismo e na normatização de hábitos e comportamentos coletivos, esse último mais relacionado com o processo civilizatório instaurado pelos educadores comprometidos com o sistema republicano, instaurado em 1899. Os protestantes, entre eles os metodistas, estavam empenhados na consolidação da República, tido como um sistema de governo “moderno”. Demonstrando estarem afinadas com os discursos dos médicos e higienistas, à época preocupados em erradicar os “males que afligiam a nação”, as missionárias do Colégio Metodista, no Catálogo Escolar, 1929, notificaram que o edifício onde lecionavam era próprio, “construído de acordo com as regras da ciência sanitária, com amplas acomodações para o internato e externato. Está aparelhado com as necessárias condições de conforto e higiene, em vastos edifícios, campo de desportos, recreios, em que se encontra arborização abundante. A experiência de muitos anos mostra que este ambiente é o mais favorável à saúde e ao desenvolvimento físico e moral dos alunos”. As missionárias faziam um estreito diálogo com a sociedade. Se o processo civilizatório estava em curso, os metodistas participariam dele. No ambiente de conformação da sociedade aos tempos de convivências coletivas, os metodistas não se furtaram em publicar, em parceria com as demais igrejas evangélicas, diversos artigos em jornais de circulação regional, onde temas como trabalho, honestidade, ética, moral, temperança eram uma constante. Os artigos, com o nome de “Culto Evangélico”, foram publicados nas décadas de 1930 e 1940. Quanto à conformação dos metodistas aos costumes e doutrinas da Igreja, os relatórios das Conferências Trimestrais oferecem uma ampla visão dos cuidados dos clérigos e demais lideranças. Não foram poucos os casos de reprimendas, conselhos e até mesmo expurgos do rol de membros. Para exemplificar esses cuidados, transcrevemos dura mensagem do Pastor João França aos conferencistas, reunidos em 1924: Enquanto tivermos no rol da igreja quem habitualmente transgrida o Dia do Senhor, quem toma parte nessa imoralíssima festa de origem pagã, que é o Carnaval, quem freqüenta bailes ou quem tome bebidas alcoólicas, por certo que a vossa igreja não poderá progredir. Quando o apóstolo Paulo chamava de santos os crentes, queria ele dizer que estes eram separados, separados do mundanismo avassalador do caráter, da moral e, portanto, da santidade. A vós, Srs. Oficiais, compete uma providência pronta e segura para trazer novamente ao aprisco do Senhor esses transviados, fazendo-os compreender o perigo do caminho que seguem.

Convertendo, ensinando e conformando, o metodismo se organizou em Ribeirão Preto, sendo pioneira entre as igrejas protestantes que se instalaram na cidade e a primeira entre as igrejas cristãs a constituir uma escola.

Prof. Dr. Vasni de Almeida - Esse texto é uma adaptação de minha tese de mestrado em História, cujo título é: Converter, ensinar e conformar: a missão metodista em Ribeirão Preto (1896-1950), defendida em 1997, na Universidade Estadual Paulista – Unesp / Franca.

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